Reportagem publicada originalmente no jornal Valor Econômico, 23/07/2007.

Por Stela Campos

Seguindo o caminho de renomadas instituições de ensino como Harvard e Berkeley, universidades brasileiras investem no Second Life, ambiente virtual tridimensional onde as pessoas criam suas representações e vivem simulações da vida real on-line. Já existem mais de cem escolas no mundo explorando as novas possibilidades de ensino no site, que já foi acessado, pelo menos uma vez, por mais de 8 milhões de pessoas.

A Universidade Presbiteriana Mackenzie e a Universidade Anhembi Morumbi foram as primeiras a ingressar nesse universo 3D, erguendo seus campi virtuais. O Senac será o pioneiro a oferecer cursos, a partir do próximo dia 27. A Universidade de São Paulo (USP) e a Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) preparam para agosto o lançamento da Cidade do Conhecimento 2.0. Será o primeiro espaço público no Second Life destinado a projetos educacionais, ambientais, culturais e empreendimentos tecnológicos. Para os especialistas, o aprendizado em plataformas 3D é um passo adiante no ensino on-line

Mais de 100 instituições de ensino já estão funcionando no Second Life, ambiente virtual tridimensional na internet onde as pessoas criam suas representações visuais e vivem simulações da vida real online. E não se trata apenas de escolas novatas, capitaneadas por jovens empreendedores acostumados ao convívio em 3D. Estão neste novo mundo de ” faz de conta”, que já recebe investimentos e promove negócios de verdade, nomes consagrados como Harvard, Berkeley, Oxford, Insead, entre muitas outras. Agora, as escolas brasileiras também começam a ingressar nessa aventura “high tech” com a ambição de recriar o modelo de aprendizagem tradicional.

As primeiras a fincarem suas bandeiras nesse universo virtual foram a Universidade Presbiteriana Mackenzie e a Universidade Anhembi Morumbi. O Senac entre em cena oferecendo seus primeiros cursos a partir do próximo dia 27. Já a Universidade de São Paulo e a PUC-SP anunciam para agosto um plano ousado. O lançamento do primeiro espaço público no Second Life. A Cidade do Conhecimento 2.0 reunirá projetos educacionais, ambientais, culturais e empreendimentos tecnológicos.

Há quem diga que ainda é cedo para prever a revolução que um ambiente em 3D como o Second Life pode ocasionar ao ensino. Mas, sem dúvida, algumas mudanças já estão em curso. Para Solange Giardino, coordenadora de informática na educação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o ensino em ambientes tridimencionais já representa um avanço em relação ao que é usualmente oferecido no ensino online. “O fato de você se ver presente na sala de aula com seu avatar (representação humana criada pelo usuário) e poder interagir com os colegas e professores, colabora para um maior envolvimento dos alunos”, acredita. Como em outros cursos na internet, nas aulas no Second Life existe o bate-papo e a correção imediata dos exercícios. “A vantagem é que tudo pode ser gravado ou fotografado”, diz Solange.

Mas as possibilidades de inovação no aprendizado em ambientes virtuais hoje ainda são limitadas. “No futuro, o aluno que quiser saber sobre a Primeira Guerra Mundial poderá se teletransportar para uma trincheira e interagir com os personagens da História”, diz Cesar Taurion, gerente de novas tecnologias da IBM. “Por enquanto, os cursos ainda simulam a maneira tradicional de ensinar, pois o sistema não é tão sofisticado”, diz. “Mas não devemos subestimar o que virá no longo prazo”. Sua empresa foi uma das primeiras a comprar “terras” no Second Life na época de seu lançamento em 2003, mas hoje está reticente quanto ao progresso dos negócios nessa plataforma. “Estamos num processo de aprendizado sobre essas novas possibilidades. Quando a internet começou em 1994 também não sabíamos onde iríamos chegar.”

Fazer uma réplica das salas de aula tradicionais no Second Life é perder a parte mais divertida do novo ambiente virtual. “É preciso transformar o conteúdo e a narrativa, não fazer uma mímica do mundo real”, diz Gilson Schwartz, diretor da Cidade do Conhecimento da USP. “Imagine poder ensinar cidadania fazendo com que os alunos experimentem viver um dia como negros ou como outras minorias”, diz. “É preciso explorar esse salto cognitivo que é a representação digital”.

Para quem ainda não se aventurou pelo Second Life, a experiência se assemelha a uma participação em um jogo em 3D. Pode ser fascinante ou traumatizante, dependendo do grau de familiaridade do usuário com as ferramentas usadas em programas de relacionamento pela internet como Orkut ou MySpace. Tornar-se um avatar é bem simples para quem costuma jogar no computador. Os menos habituados a esse universo podem apanhar um bocado, principalmente para aprender a usar os comandos que o “teletransportarão” para os campi virtuais das universidades. Uma forma simples de acessá-los é clicar direto nos links localizados nos sites das próprias escolas.

Em muitas escolas do Second Life, como Harvard, o avatar tem a possibilidade de passear virtualmente pela réplica do prédio da universidade. Pelo campus, acessa quadros que o redirecionam para páginas específicas no site da escola. A possibilidade de frequentar ambientes muito próximos da realidade, intangíveis no dia-a-dia, acaba sendo um atrativo a mais para as mais de 8 milhões de pessoas que já ingressaram, pelo menos uma vez, no Second Life desde seu lançamento em 2003. Seu criador, o americano Philip Rosedale, hoje comanda a Linden Lab, empresa criada para administrar o site, que movimentou em junho, US$ 6,8 milhões. A versão em português do Second Life foi lançada no país há pouco mais de três meses e estima-se que já tenha sido utilizada por 300 mil pessoas.

A Universidade Mackenzie está apostando nesse fascínio dos brasileiros por sites de relacionamentos que se assemelham ao mundo real para atrair futuros alunos. Até o fim do ano, deve lançar uma réplica virtual do prédio da escola localizado no bairro de Higienópolis, em São Paulo. O projeto será dos próprios alunos. Desde que criou seus primeiros espaços no Second Life, em abril, nas chamadas ilhas Alpahville e Copacabana, a universidade já recebeu 15 mil visitantes. Num primeiro momento, ela disponibiliza para os usuários vídeos e displays com orientações sobre profissões e um painel onde ex-alunos são direcionados para uma página onde poderão encontrar antigos colegas.

No futuro, o Mackenzie pretende oferecer aulas, mas antes está investindo na preparação dos professores. Cerca de 200 dos 400 docentes da instituição deverão ser treinados nos próximos meses. “Não é um ambiente nativo para eles”, lembra José Augusto Pereira Brito, gerente de TI do Mackenzie. O vice-reitor Pedro Ronzelli Jr. acredita que a investida no Second Life ajudará a escola no quesito inovação. “Buscamos a renovação da nossa marca”, diz.

Para Yaccoff Sarkovas, diretor geral da Significa, agência de publicidade especializada em “atitude de marca”, o Second Life deve contribuir para a renovação da imagem de instituições de ensino mais tradicionais. “Elas podem atingir um público novo, agregar valor de inovação à sua marca, mas se isso virar um default esse predicado se perderá”, alerta o publicitário.

A Anhembi Morumbi investiu R$ 50 mil para ingressar no Second Life. Assim como o Mackenzie, aposta primeiro na divulgação de sua marca para depois começar a ministrar cursos. O campus virtual foi lançado em maio e já foi visitado por 18 mil avatares. No fim de agosto, a universidade deve começar uma nova fase, onde utilizará o espaço como plataforma de apoio para os alunos dos cursos de moda e design digital lançarem seus projetos. “Será uma espécie de incubadora virtual”, explica Maysa Simões, diretora de marketing da Anhembi Morumbi. O próximo passo será disponibilizar os cursos de extensão de curta duração. “A ferramenta de ensino em 3D é sedutora e atraente, mas temos que desenvolver o lado pedagógico”, diz Maysa. A universidade já oferece cursos online desde 2002.

O Senac também oferece ensino online desde 2001. Nesse tempo, teve 5 mil alunos. Diferente das outras universidades, a instituição já entrará no Second Life oferecendo três cursos: “Integração do photoshop ao Second Life”, “Criação de objetos no Second Life básico” e “Criação de objetos no Second Life avançado”. “Usaremos a mesma proposta pedagógica”, explica Regina Helena Ribeiro, coordenadora do núcleo de educação à distância do Senac São Paulo. Para quem prefere se inteirar sobre o assunto no mundo real, o Senac também oferecerá os cursos presenciais: “Desvendando o Second Life” e “Criando interfaces 3D no Second Life”. Até o fim do ano, está nos planos do Senac lançar também o Centro Universitário Senac, que oferecerá atividades para os estudantes no Second Life. “Nosso olhar é educacional e sabemos que se trata de um ambiente potencial de aprendizagem”, diz Regina.

Na área de ensino executivo, uma adesão recente ao Second Life foi do renomado Instituto de Empresa, da Espanha, que ocupa sempre as primeiras colocações nos principais rankings de MBA globais. A intenção do IE é transferir para a nova plataforma, a habilidade desenvolvida nos cursos oferecidos a distância, nos últimos seis anos. Nesse período, o IE formou 1800 estudantes no seu programa de educação executiva online. No Second Life, disponibilizará o mestrado em telecomunicações e em negócios digitais. Ele não conta o investimento feito na empreitada, mas diz que uma ilha custa, em média, US$ 1,7 mil e o custo de manutenção mensal é de US$ 295. “A média de idade dos usuários está entre 18 a 30 anos de idade, um público bem interessante para nós”, justifica Carlos Saldaña, diretor de a marketing da escola de negócios espanhola. “O Second Life é uma parte natural da evolução da nossa educação online”.

“A primeira reforma agrária digital”

A Cidade do Conhecimento 2.0, cujo lançamento está previsto para o dia 28 de agosto, será uma espécie de “condomínio” público capitaneado pela Universidade de São Paulo (USP) dentro do Second Life. O objetivo é abrigar projetos inovadores na área educacional, social, ambiental e de empreendedorismo tecnológico.

Gilson Schwartz

A inciativa é dos mesmos criadores da Cidade do Conhecimento da USP, campus virtual criado há sete anos para aproximar o mundo acadêmico e escolar das empresas, ONGs e governo, através de cursos de capacitação e pesquisas. “Faremos a primeira reforma agrária digital privada do mundo”, diz Gilson Schwartz, diretor da Cidade do Conhecimento da USP.

O espaço no Second Life foi cedido pelos administradores da plataforma no país, o IG e a Kaizen Games. A intenção é atrair instituições de ensino, ONGs e empresas privadas para esse território, livre de impostos. “Não existe limite para a formação dessa rede. O tamanho dependerá da mobilização, do impacto e da aceitação dessa grande parceria público privada”.

A área educacional já conta com a USP e a PUC São Paulo. O objetivo é conseguir outras adesões de instituições até o lançamento. No novo espaço virtual serão oferecidas oficinas dirigidas ao ensino fundamental até especializações.

Na área de empreendedorismo tecnológico, a Cidade do Conhecimento 2.0 servirá como incubadora de pequenas e micro empresas. “A idéia é adaptar a tecnologia do venture capital, do financiamento à inovação, para a área sócio educacional ambiental”, diz o diretor.

As empresas privadas que apoiarem o projeto, segundo Schwartz, se beneficiarão pela associação de sua imagem à inovação e à responsabilidade social. “Outro vantagem será poder contar no futuro com mais pessoas saindo da USP capacitadas no uso de mídias digitais”, acredita. Isso será possível, segundo ele, porque o acesso à capacitação será mais simples do que o tradicional via vestibular. “É o capital social, intelectual e tecnológico se mobilizando para construir o intangível, uma cidadania feita de troca de conhecimento”, diz.(SC)