Esse é o tema da Aula Magna de Henrique Rattner na Cidade do Conhecimento em 2010. Henrique Rattner é licenciado em Ciências Sociais, com mestrado em Sociologia, doutorado em Economia na Universidade de São Paulo e Pós-doutorado em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts – M.I.T – EUA. Foi diretor nacional do programa “Leadership for Enviromment and Development – LEAD” da Universidade de São Paulo e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Economia, Sociedade e Meio Ambiente – NAMA. É professor titular aposentado da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, coordenador de pesquisas e consultor de instituições nacionais (CNPq, FINEP, MCT, SEPLAN-SP, SENAI, SEBRAE) e internacionais (Organização Panamericana de Saúde, Organização Internacional do Trabalho – OIT, Universidade das Nações Unidas – UNU, UNESCO, Banco Mundial). Publicou cerca de 20 livros e mais de 100 artigos em revistas e jornais, nas áreas de política científica e tecnológica, economia e meio ambiente.

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O conceito de desenvolvimento tem sido, não raramente, confundido com o de crescimento econômico, o que levou à hegemonia dos economistas na formulação de teorias e diretrizes sobre esses processos sócio-culturais. Nas primeiras décadas do período pós-segunda guerra mundial, abundaram as receitas sobre a “formação de capital” (Ragnar Nurkse); “As etapas de desenvolvimento” (W. Rostow) e o famoso “trickle–down effect” – o efeito de filtragem e outros, de vários autores que procuravam orientar as políticas governamentais de desenvolvimento.

Os resultados, em termos de desenvolvimento, foram decepcionantes: as riquezas geradas pelos investimentos foram acumuladas por uma minoria, levando a uma concentração perversa das riquezas por um lado, e de pobreza e miséria por outro, tanto em nível interno dos países quanto em escala global, dividindo o mundo entre uma minoria rica vivendo na opulência e uma maioria carente do mínimo para a subsistência.

A percepção e o equacionamento do problema mudaram radicalmente com a publicação do seminal Relatório ao Clube de Roma, elaborado sob a orientação do professor Jay Forrester do MIT e intitulado “Os limites do Crescimento”. Os autores partiram de uma visão sistêmica e interdisciplinar, cruzando as variáveis População – Alimentos – Terra e Fertilizantes Químicos – Produção Industrial – Energia como causas de poluição ambiental crescente, chegando à conclusão da imperiosidade de se estabelecer limites ao crescimento econômico. O estudo do grupo do MIT desencadeou uma onda de manifestações, geralmente pessimistas, sobre o futuro do planeta, assim como propostas de como salvar a humanidade.

Significativo a este respeito foi o Relatório Brundtland – “Nosso Futuro Comum”, de 1987, que abriu o caminho para a CNUMAD – Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992, no Rio de Janeiro.

A partir da Conferência do Rio, o discurso, e até certo ponto, a prática evoluíram do enfoque ecologista para o social e político, particularmente com a formulação da Agenda 21, que pretendia fixar metas quantitativas para as áreas de saúde, educação, saneamento e moradia, em nível local e nacional. É verdade, foram poucos os municípios e estados que se empenharam em cumprir as metas da Agenda 21, o que seria um passo em direção ao desenvolvimento sustentável, superando o enfoque estreito e reducionista dos economistas e dos ecólogos.

Apesar das resoluções do Protocolo de Kyoto, em 1997, e de Montreal, de 1987, sobre a redução das emissões de gases CFC, as negociações sobre a redução das emissões de gases de efeito estufa, causadores do aquecimento global terrestre, estancaram com a recusa dos EUA, da China e da Austrália, os maiores poluidores por carvão e petróleo, de assumir qualquer compromisso de redução, no que foram seguidos por outros governos.

Assim, as conferências mundiais sobre meio ambiente de Johanesburgo em 2002 e de Copenhague em 2009 fracassaram na tentativa de estabelecer um acordo global, adiado para a próxima conferência, planejada para o México, em 2010.

Nos anos de 1990, surgiu a obra de Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia, intitulada “Desenvolvimento como Liberdade”, ou seja, segundo o autor, a ampliação da capacidade dos indivíduos terem opções, fazerem escolhas. Relativizando a importância dos fatores materiais e dos indicadores econômicos, Sen insiste na ampliação do horizonte social e cultural na vida das pessoas. A base material do desenvolvimento é fundamental, mas deve ser considerada como um meio e não como um fim em si.

O desafio para a sociedade é formular políticas que permitam, além do crescimento da economia, a distribuição mais equitativa da renda e o pleno funcionamento da democracia. Os índices de desenvolvimento humano calculados nesses últimos anos pelo PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – revelam, além da capacidade produtiva, a confiança das pessoas uns nos outros e no futuro da sociedade.

Ao postular a melhora da qualidade de vida em comum, destacam-se as possibilidades das pessoas levarem adiante iniciativas e inovações que lhes permitam concretizar seu potencial criativo e contribuir efetivamente para a vida coletiva. Seguindo esse raciocínio, Sen resume suas idéias sobre o desenvolvimento como as possibilidades de “poder contar com a ajuda dos amigos”, ou seja, a cooperação e a solidariedade entre os membros da sociedade que constrói seu capital social.

Para Sen, os valores éticos dos empresários e dos governantes constituem parte relevante dos recursos produtivos, por orientar seus investimentos, em vez de para a especulação, para inovações tecnológicas que contribuem para a inclusão social. Quanto maior o capital social – a rede de relações sociais e o grau de confiança mútua, menor a corrupção e a sonegação de impostos, e maiores os incentivos para criar programas e projetos que favoreçam a igualdade e equidade, e que estimulem melhores serviços públicos de educação e saúde, que impulsionariam o crescimento econômico e possibilitariam a governabilidade democrática.

São inúmeros os projetos de “desenvolvimento” lançados e executados pela iniciativa privada ou pelo poder público, às vezes até em um tipo de “joint venture” – a parceria público-privada (PPP), que deveriam aliviar o peso da pobreza e da exclusão social. Um dos projetos mais divulgados e louvados, nos anos 60 do século passado, foi a chamada “revolução verde”, concebida por Norman Borlaugh – prêmio Nobel – que transformaria a agricultura de subsistência, sobre tudo na Índia e nos países asiáticos. Sementes selecionadas, emprego maciço de fertilizantes químicos e de agrotóxicos, e sistemas de irrigação iriam multiplicar as colheitas, aumentar a produtividade da terra e do agricultor, produzindo alimentos para todos.

Decorrido meio século desde a revolução verde, verifica-se que os pequenos lavradores e os trabalhadores rurais ficaram mais empobrecidos, perderam suas glebas e migraram para as cidades, engrossando o exército dos desabrigados e desempregados, enquanto prosseguia o processo de concentração de terras e de capital. Algo semelhante ocorreu recentemente com a invasão dos canaviais e do plantio da soja em áreas de agricultura familiar e tradicional. O agronegócio está invadindo enormes áreas no sul, sudeste e centro-oeste do país, com a mecanização da agricultura, transformando a paisagem geográfica e ameaçando os biomas da caatinga, do agreste, do cerrado e da floresta amazônica. Novamente, os pequenos lavradores estão sendo expulsos de suas terras por não poderem arcar com os custos dos equipamentos, sementes, frequentemente geneticamente modificadas, e das instalações de irrigação, sem falar dos custos elevados de armazenamento e de transporte.

Outro projeto merecedor de menção nesse contexto foi o plantio de algodão na ex–União Soviética, na região do lago Aral. Antes da implantação do projeto havia um paraíso ecológico à semelhança de nosso Pantanal; o projeto lançado pelo governo Krushev conseguiu drenar as águas do lago, expulsar a riquíssima fauna e destruir a flora natural. Os erros foram descobertos tarde demais e os danos ambientais a uma das regiões mais ricas e bonitas do país foram irreversíveis.

Seria um bom exercício pesquisar os projetos de “desenvolvimento” elaborados e executados sem o EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental / Relatório de Impacto no Meio Ambiente), cujos impactos negativos foram socializados e os lucros, privatizados. Esses e outros tantos projetos fracassados nos levam a proclamar e reivindicar a adoção de critérios éticos na equação da sustentabilidade de projetos, sejam eles privados ou públicos. O princípio da precaução e a máxima de não causar mal aos seres humanos e ao ambiente devem figurar em qualquer projeto. Por isso, na elaboração, execução e avaliação de projetos de desenvolvimento, é imprescindível a presença de equipes interdisciplinares, capazes de formular e aplicar uma visão sistêmica, em oposição à linear, cartesiana.

Desenvolvimento – a luz vem do oriente?

Após o abalo e a maior recessão econômica sofrida nas últimas décadas, a economia mundial está tateando para reencontrar seu equilíbrio e iniciar o caminho de recuperação. Todavia, como evidenciam os dados estatísticos de alguns países europeus – os PIGS – Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha – sem falar dos países, bálticos, a crise financeira continua a pleno vapor e seus impactos são sentidos em todas as atividades econômicas, na indústria, no comércio e na agricultura, com níveis de desemprego altíssimos.

Nos países antes considerados “ricos”, o progresso relativo no combate à pobreza e ao subdesenvolvimento conseguido nas últimas décadas do século vinte, foi apagado pelo aumento das taxas de desemprego que superam os 10% da força de trabalho e dos preços de alimentos. Filas de pessoas em busca de um prato de comida passaram a fazer parte da rotina, mesmo nos Estados Unidos.

O fracasso das políticas tradicionais de desenvolvimento por meio de macro investimentos em infra-estrutura mostra as hesitações do capital privado diante a incerteza e os riscos dos mercados, enquanto os recursos do poder público se mostram insuficientes para reanimar os investimentos e as atividades produtivas.

Neste contexto, um caminho alternativo, sobretudo para os mais carentes e excluídos, surge de uma experiência positiva de “desenvolvimento”, num dos países mais pobres do mundo, o Bangladesh.

BRAC – Bangladesh Rehabilitation Assistance Committee, fundado em 1972 por Fazle Hasan Abed, um homem de negócios de Bangladesh, é incomparavelmente a maior e a mais rapidamente se expandindo organização não governamental do mundo. Embora Muhammad Yunus, outro bangladeshi, foi ganhador do prêmio Nobel da Paz, em 2006, por sua ajuda aos pobres, seu Banco Grameen não foi a primeira e nem a maior instituição de micro financiamento no Bangladesh.

BRAC é a maior – suas operações de micro financiamento envolvem um bilhão de US$ por ano. Além disso, ela mantém um serviço de internet, uma universidade e, em suas escolas primárias estudam 11% das crianças de Bangladesh. Suas atividades econômicas incluem a administração de uma fábrica de ração animal, avicultura, plantações de chá e empresas de embalagens. BRAC demonstra que ONGs não precisam ser pequenas e mesmo instituições pequenas de países pobres podem superar instituições filantrópicas ocidentais, operando com grande volume de recursos. Diferentes autores consideram BRAC o maior e o mais diversificado experimento social do mundo em desenvolvimento.

A difusão de seu trabalho supera em seus impactos sobre o desenvolvimento outros empreendimentos governamentais, privados e de ONGs, sem fins lucrativos. Empregando com suas operações mais de 100.000 pessoas, predominantemente mulheres, BRAC assiste com suas atividades a 110 milhões de pessoas, beneficiadas por uma vasta gama de programas de desenvolvimento econômico e social, nas áreas de saúde, educação, direitos humanos e serviços legais.

Tudo começou depois de um tufão ter levado inúmeros refugiados ao escritório de Fazle Abed, levando o a criar a Comissão de Rehabilitação Assistencial, combinando dois fatores dificilmente conciliáveis: administrar uma ONG como se fosse uma empresa e levando a sério o contexto da pobreza.

BRAC aufere 80% de seus recursos de suas operações e o resto é proveniente de doadores, principalmente ocidentais. Atividades que exigem subsídios constantes são abandonadas. Desde o começo, Fazle Abed insiste em honestidade absoluta na divulgação dos resultados. BRAC presta bem mais atenção à pesquisa e “aprendizagem contínua” do que a maioria das ONGs.

O que torna BRAC única e especial em seu gênero é sua combinação de fazer negócios e sua visão da pobreza. Esta é geralmente considerada como um problema econômico que pode ser aliviado pelo envio de dinheiro. Influenciado por três pensadores do movimento de “libertação”, muito acatados nos anos sessenta do século passado, Frantz Fanon, Paulo Freire e Ivan Illich, o fundador de BRAC admite que a pobreza nos vilarejos de Bangladesh seja o resultado de uma rígida estratificação social.

Nessas circunstâncias, “desenvolvimento comunitário” irá ajudar mais os ricos do que os pobres e por isso, para eliminar a pobreza, deve se mudar a sociedade.

Esta visão levou o fundador do BRAC para o caminho do desenvolvimento. Mulheres se tornaram o foco da instituição por que elas estão na base da sociedade e as mais necessitadas de ajuda. 70% das crianças nas escolas do BRAC são meninas. Operações de micro financiamento ajudam os pobres a poupar, mas, diferentemente do Grameen Bank. BRAC empresta bastante a pequenas empresas. Pequenos empréstimos podem melhorar significativamente a situação de um indivíduo ou de uma família, mas freqüentemente são investidos em empreendimentos rurais tradicionais, tais como a aquisição de uma vaca leiteira ou de ovelhas.

A ideologia do BRAC com referência à mudança social exige não o crescimento (no sentido de mais do mesmo), mas o desenvolvimento de atividades novas e diferentes, criando empregos e novas formas de empreendimentos produtivos.

Após trinta anos de atuação no Bangladesh, BRAC difundiu e aperfeiçoou suas atividades e está expandindo seu raio de ação para outros países em desenvolvimento. Alcançou a posição de maior ONG no Afeganistão, Tanzânia, Uganda e entra no Sri Lanka, Sul do Sudão, Libéria, Sierra Leone e Paquistão, superando de longe as organizações de caridade ocidentais, britânicas e americanas que atuam nesses países há várias décadas. Segundo David Corten, autor de “Quando as corporações governam o mundo”, “BRAC está mais próxima de uma organização de aprendizagem que possa existir”.

Vindo de um país pobre e islâmico significa que enfrenta menos resistência do que as organizações ocidentais. Seus custos de operação são significativamente mais baixos e seus funcionários não circulam em peruas com motores potentes.

Sua expansão além mar pode representar novos problemas para BRAC. As ONGs estabelecem freqüentemente uma ligação no vazio criado entre os governos, distantes e corruptos, e os milhares de vilarejos, dispersos na área rural. BRAC conseguiu isto no Bangladesh, sendo uma organização nativa. Será que conseguirá o mesmo resultado em outros países?