big_eye1Thais Barros (1)

A cultura digital contemporânea convida à análise do fenômeno “redes sociais”, entre as quais ganham relevo as práticas de mentoring que se desenvolvem por meios e processos audiovisuais.

Processos de mentoring – conceito que também se aproxima e dialoga com o de coaching – criam estruturas e dinâmicas que possibilitam e facilitam a interação e troca de experiências e visões entre pessoas a partir de realidades diversas.

Costumam ser implantados em empresas visando o aprimoramento de seus profissionais, especialmente aqueles que ocupam posições mais estratégicas ou são identificados como talentos dentro da organização.

Também no ambiente educacional, o mentoring (nestes casos podendo ser chamado de tutoria) tem uma longa tradição, especialmente nos programas de educação a distância, como ação que promove suporte e orientação através de aproximação entre estudantes e professores/profissionais experientes.

As mudanças sócio-culturais ocorridas no século 20, fortemente impactadas pela globalização, dão novo sentido a esta dinâmica; são criados canais de comunicação voltados ao fomento de experimentações que ampliam esta ação, proporcionando desenvolvimento individual e coletivo. Nas empresas e nas escolas crescem iniciativas voltadas à formação de gestores, aprimoramento profissional, incentivo e apoio nos momentos de escolha de carreira. As práticas de mentoring se enquadram neste contexto.

Atualmente, ainda predominam as abordagens individuais, parecendo despropositado falar em mentoring social. Entretanto, ampliam-se as conectividades virtuais entre empresas, escolas e organizações.

Mentoring pode ser entendido como processo educativo de aprimoramento e quando fortalecido pelo incremento dos recursos tecnológicos abre caminho para que inúmeras possibilidades de acesso permanente, intenso, ágil a todo e qualquer tipo de informação e conhecimento, sejam disponibilizadas, o que também pode levar à crença, ao menos ilusoriamente, de que tudo se pode saber e aprender, rápida e imediatamente. Paradigma presente tanto no ambiente profissional quanto educacional.

Vivemos tempos não mais de regras únicas e aplicáveis a tudo e todos, em que não mais existe um caminho único, mas sim uma trajetória construída a cada circunstância e para cada pessoa, sujeitos que buscam experimentar-se em sua subjetividade, em sua a singularidade, algo mais viável, e necessário, neste cenário mutante. Contexto em que querer preparar uma pessoa para uma carreira – não só profissional, mas carreira como “trajetória” de vida – mostra-se inadequado e até mesmo inviável.

Caminha-se assim, em direção a uma nova matriz de comunicação nas organizações, o que incrementa experiências e iniciativas que integrem empresas, instituições de ensino, organizações não governamentais, órgão públicos, campo em que a Cidade do Conhecimento revelou-se pioneira.

O design social do grupo de pesquisa Cidade do Conhecimento2 da USP, criado em 1999, teve como ponto de partida uma primeira aproximação entre a prática do mentoring e os desafios das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs).

A agenda foi apresentada (Schwartz e Lemos, 2000)3 e as primeiras práticas implementadas em projetos4 como “Meninas Cientistas” (2001-2002)5 e “Dicionário do Trabalho Vivo” (2002) em que o foco era a experimentação com o “telementoring” – mobilização do que atualmente se denomina “redes sociais” numa etapa anterior de desenvolvimento da web (a web 1.0) em que profissionais já integrados ao mercado de trabalho interagiam com estudantes do ensino médio para reconhecimento das novas fronteiras do emprego por meios digitais, abordagem que antecipava o modelo de “Wikipedia”.

Projetos com esta configuração criam ambientes voltados à transdiciplinaridade e abrem novas perspectivas de desenvolvimento pessoal e profissional. Incorporar ferramentas digitais para mediar relações interpessoais em processos de aprendizado e desenvolvimento de indivíduos e grupos é uma tendência que se confirmou e vem sendo ampliada desde esses primeiros experimentos, tornando-se mesmo irreversível e vai sendo aceita como a principal característica da “web 2.0”.

Este cenário mostra a oportunidade e a necessidade de aprofundamento teórico nesse campo de pesquisa científica e ação criativa.

Talvez como contraponto ou antídoto à globalização pasteurizada da informação abundante o mentoring vai ganhando espaço e relevância como oportunidade de personalização ou singularização da experiência comunicacional.

Mais que interagir midiaticamente com os outros, o espaço fluido do audiovisual digital atinge com o mentoring um status de tempo vital reconstruído pela inspiração provocada no contato com o Outro.

NOTAS

[1] Mestranda do Programa de Meios e Processos Audiovisuais (ECA-USP) e pesquisadora da Cidade do Conhecimento. email: thais.barros@usp.br

[2] Grupo de pesquisa que desenha e implementa iniciativas de Emancipação Digital conectando USP e centros de pesquisa, empresas, instituições públicas e organizações da sociedade civil. O projeto é associado ao Núcleo de Política e Gestão Tecnológica (PGT) da USP e liderado noDepto. de Cinema, Rádio e TV pelo Prof. Gilson Schwartzhttp://www.cidade.usp.br

[3] Apresentado na International Conference on Information Society in the 21st Century: Emerging Technologies and New Challenges (IS2000), Session D8 Virtual Universities and Distance Education VI: Multimedia Contents and Infrastructure for Distance Education , The University of Aizu, Japan, November 5-8, 2000 http://www.cddc.vt.edu/knownet/articles/east-west.doc / http://www.u-aizu.ac.jp/official/index_e.html

[4] Os projetos foram patrocinados pela Secretaria do Emprego do Estado de São Paulo e pela Cátedra UNESCO sobre Mulher, Ciência e Tecnologia na América Latina.

[5] Este projeto reuniu na mesma rede alunas de ensino médio e trabalhadoras que atuam em áreas de pesquisa e desenvolvimento, ciência e tecnologia, sob a coordenação da Prof. Dra. Regina Festa (ECA-USP).

[6] O tema é objeto da pesquisa de mestrado O uso das TICs em processos de mentorin.”, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais, ECAUSP, sob orientação do Professor Gilson Schwartz.

[7] Em abril de 2009, participamos de uma experiência realizada em parceria entre a IBM e a Cidade do Conhecimento, envolvendo a residência de funcionários da empresa em ONGs no Brasil e em outros países. Cf. http://www-03.ibm.com/press/br/pt/pressrelease/27286.wss O primeiro projeto-piloto na área de mentoring da IBM no Brasil foi realizado também na Cidade do Conhecimento, em 2001, ano de fundação do grupo de pesquisa Cidade do Conhecimento. Cf.http://www.cidade.usp.br/projetos/e-voluntarios/ e ainda http://www7.rio.rj.gov.br/iplanrio/sala/textos/01.pdf (pag. 66).

[8] Este Outro – maiúsculo – partindo da psicanálise lacaniana, trata da relação do sujeito com o simbólico, a cultura, as leis e a linguagem.