Celulares à brasileira
Projeto pioneiro divulga cultura regional e folcl�rica brasileira através de celulares. A proposta é levar as pessoas a um consumo mais cidadão, inteligente e sustent�vel.

Publicado originalmente no site

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04/09/2006
Viviane Batista

Ilustra��o

D� para imaginar um projeto sócio-educativo que produza conteúdo para celulares, usando arte popular brasileira, e que entre em competição com as grandes empresas nacionais e internacionais que comercializam imagens para fundo de tela (wallpapers) e sons para toques de celular (ringtones)? Por mais utópico que pareça, esse projeto existe e se chama Pipa Móvel.

Numa época em que a moda é baixar músicas que estão nas paradas de sucesso como ringtones e de fotos pessoais como wallpapers, esse trabalho pioneiro busca uma forma de romper a idolatria dos brasileiros às coisas estrangeiras e incentiva-los a valorizarem nossa cultura, nossos trabalhos, enfim, nossas raízes.

O Pipa Móvel, uma parceria entre a Cidade do Conhecimento, entidade da Universidade de S�o Paulo, a ONG EducaPipa e empresas do ramo de desenvolvimento de Tecnologia da Informação, visa produzir uma reengenharia das cadeias produtivas que favoreça a geração de empregos, renda e investimentos na cidade de Pipa, um vilarejo escondido no litoral sul do Rio Grande do Norte. Um pequeno distrito de Tibau do Sul rodeado de falésias e praias, um local com muito sol e águas cristalinas. Além do toque de celular do côco de zambê, uma esp�écie de embolada tradicional da região, há também ofertas de imagens produzidas por artistas locais, como pinturas, afrescos religiosos, desenhos feitos por crianças, fotografias de artesanato, da fauna e da flora de Pipa.

Metade do lucro obtido com o Pipa Móvel fica para a operadora de celular, 25% para a Cidade do Conhecimento, umas das agregadoras do trabalho, 15% para os artistas a título de direitos autorais e 10% vai para a ONG EducaPipa que investe em novos projetos para a comunidade local. Podem baixar o conteúdo da rede os clientes das operadoras: Vivo, Oi, Telemig Celular, Amazônia Celular, Sercomtel e CTBC, e eles estão disponíveis no portal Lokomix – da empresa Takenet, outra agregadora do Pipa M�vel. O pre�o cobrado varia de R$ 2,50 a R$ 5,00 por download. Todas as operadoras baixam wallpapers e ringtones neste portal, com exce��o da Oi, cuja agregadora � a empresa Compera, atrav�s do portal Topz, e o pre�o � de R$ 2,99. A Compera, segundo o seu presidente Fabr�cio Bloisi, aposta na expans�o mundial da comercializa��o desses conte�dos, �acreditamos muito e apostamos em conte�dos nacionais. Existem �reas onde a competitividade do Brasil � limitada em compara��o com ind�strias internacionais, mas em outras n�o, como conte�dos para celular, TV, m�sica e cultura em geral�.

�Manifesta��es culturais como o c�co de zamb� correm o risco de morrer, se n�o forem estimulados. Al�m disso, damos � m�sica uma vis�o utilit�ria: motivamos a pessoa � atender ao telefone�, afirmou o m�sico Itamar Vidal em oficina ministrada durante um evento em S�o Paulo da Cidade do Conhecimento, ocorrido em novembro do ano passado no Memorial da Am�rica Latina. O pr�prio m�sico, na ocasi�o, fez a transposi��o dos tambores para o celular em formato MIDI, ao vivo e a cores, o que impressionou a plat�ia presente.

A cidade de Pipa � um distrito tur�stico e toda divulga��o das coisas boas e as maravilhas existentes no local acarretam benef�cios � pr�pria comunidade, porque movimenta o com�rcio. Por�m a iniciativa prop�e que os habitantes desse para�so ecol�gico participem diretamente do desenvolvimento sustent�vel da regi�o, oferecendo atividades n�o-predat�rias aos visitantes. Evita-se assim a degrada��o do vilarejo e os desastres ambientais t�o comuns nos dias de hoje.

�A educa��o e a cultura gerando recursos financeiros ao povo�, � como define o projeto a diretora da ONG EducaPipa, Norma Fagundes, em entrevista ao ArteCidadania. De acordo com ela, a import�ncia do Pipa M�vel vai muito al�m da comercializa��o da cultura regional via celular. Para Norma, a pr�pria comunidade, principalmente os jovens, motivam-se, interessam-se pelo resgate das tradi��es e do �casamento� dele com as novas m�dias. �A criatividade n�o tem limite. � preciso sempre acreditar na capacidade de fazer e nos v�os de criatividade do ser humano, s� assim penso na verdadeira educa��o�, entusiasma-se Norma.

A proposta de divulgar trabalhos locais brasileiros usando como meio o celular, causou estranheza em muitos, que a taxaram de exc�ntrica, mas como elucidou o diretor da Cidade do Conhecimento, Gilson Schwartz, �escolhemos os formatos digitais porque eles geram renda. O celular � uma tecnologia propriet�ria, fechada e tarifada. � o canal prop�cio � gera��o de receitas que s�o compartilhadas com os artistas e as organiza��es sociais�. Fabr�cio Bloisi recorda ainda que o projeto traz benef�cios para os pr�prios artistas: � Estamos falando de conte�dos regionais para comunidades carentes e com artistas que n�o teriam oportunidade de vender seus trabalhos de outras formas�. Para ele, esta � uma iniciativa com cunho social que deve crescer e beneficiar comunidades fora dos centros comerciais reduzindo as dist�ncias e as barreiras entre a produ��o e a distribui��o deste conte�do e seu consumo.

Mas o Pipa M�vel n�o � apenas um meio de comercializar fundo de telas e toques para celular com obras locais, � tamb�m uma forma das pessoas valorizarem trabalhos art�sticos brasileiros e isso � um gesto de cidadania. Schwartz refor�a: �comprar os conte�dos dos artistas de Pipa ao inv�s de apenas votarem maci�amente no Big Brother Brasil ou concorrer na Sele��o do Faust�o, que gera milh�es em receita � Rede Globo � uma forma das pessoas perceberem que d� para ter uma a��o de responsabilidade cidad� pelo celular�.

Num pa�s onde a leitura estagnou, mas a presen�a de celular explodiu, eles seguiram a tend�ncia. A telefonia celular abre oportunidades para a produ��o e distribui��o de conhecimento, cultura e educa��o, em especial tecnol�gica e cultura digital.Tudo come�ou a partir de estudos e semin�rios realizados no curso de p�s-gradua��o Economia da Informa��o e Novas M�dias, ministrado por Gilson Schwartz. Percebeu-se que a utiliza��o de celular crescia mais que de internet e ap�s uma pesquisa das caracter�sticas desse mercado, iniciou-se o di�logo com as empresas que nele atuam. A proposta da Cidade do Conhecimento uniu-se � vontade da EducaPipa em dividir e divulgar a riqueza de sons e as belezas das imagens com mais pessoas, e assim nasceu o Pipa M�vel. Mas o projeto n�o p�ra por a�, outras cidades e empresas, de olho nas perspectivas positivas desse neg�cio in�dito, j� estudam a sua viabiliza��o, elas querem levar esse pioneirismo para suas estrat�gias de vendas. Como esclarece Schwartz, �criamos um novo modelo de neg�cios digitais com forte componente de responsabilidade social. Tentamos mostrar caminhos e espero que n�o apenas esta, mas outras inova��es do nosso �colaborat�rio� ganhem mais espa�o neste pa�s.� Para Norma Fagundes, por ser, o Pipa M�vel, a uni�o da quest�o social com o desenvolvimento tecnol�gico, este exemplo deve ser seguido, �precisamos acompanhar o desenvolvimento e trabalhar com as novas linguagens. N�s temos que seguir o curso da Hist�ria�.

Para a comunidade � um incentivo e ela est� empolgada com a possibilidade de saber que seus trabalhos poder�o correr o mundo. � exatamente isso que os envolvidos nesse trabalho pretendem: entrar e conquistar tamb�m o mercado internacional. O diretor da Cidade do Conhecimento conta como isso ser� poss�vel: �Estamos trabalhando para distribuir o conte�do nos mercados europeus, asi�ticos e norte-americano, por meio de parcerias imbu�das de forte compromisso social, educacional, ambiental em seus processos de uso de tecnologia�.

O papel da Cidade do Conhecimento – criada h� cinco anos no Instituto de Estudos Avan�ados da Universidade de S�o Paulo – no Pipa M�vel � o de que na propor��o que o projeto gere renda e ocupa��o aos nativos, seja promovida a emancipa��o digital de indiv�duos e organiza��es. J� a EducaPipa quer, com o retorno financeiro obtido, revert�-lo em novos cursos para a comunidade. Al�m da Rede Pipa (telecentros que atendem de 300 a 400 crian�as e adolescentes por m�s), a ONG ainda oferece aulas de drama, grafite, pesca oce�nica, educa��o ambiental e, � claro, coco de zamb�.

�Se fala muito em sustentabilidade nos projetos de inclus�o digital, mas esta s� � alcan�ada quando se emancipa a comunidade, gerando emprego e renda�, diz o diretor da Cidade do Conhecimento Gilson Schwartz ao ArteCidadania. �Queremos que os consumidores optem por um consumo cidad�o, inteligente e sustent�vel. Na medida que o Pipa M�vel consegue gerar renda, o produtor das obras tamb�m ampliar� o seu leque de consumo, n�o s� de bens e servi�os digitais, mas de outros bens tang�veis como alimenta��o, sa�de, moradia e lazer�, salienta ainda.

A amplia��o desse projeto e de outros que surgir�o possibilitar� que os talentos folcl�ricos, regionais e a riqueza paisag�stica de tantas cidades brasileiras ganhem a mobilidade de um postal e permitam o estabelecimento de rela��es mais duradouras entre o povo e sua raiz, formando assim uma sociedade ampla de interessados no desenvolvimento sustent�vel das belezas naturais do Brasil. Os integrantes destas cidades aprendem a capturar, digitalizar e editar sons e imagens tradicionais.

Atualmente, ocorre em nosso pa�s um impacto muito grande das redes digitais sobre a produ��o e distribui��o de informa��es e com isso, o compartilhamento de conhecimento. Ent�o por qu� n�o usar esses avan�os para expor e propagar mundialmente a cultura brasileira? Talvez seja o caminho para eternizar tradi��es. Usando o exemplo do coco de zamb� – um grupo secular da regi�o que estava se perdendo com o tempo -, o Pipa M�vel trouxe ele de volta para a m�dia por causa dos ringtones. � um resgate e, porque n�o dizer, uma perpetua��o dessa embolada local.

Para o diretor da Cidade do Conhecimento o projeto dar� certo porque ele acredita que muitos brasileiros se entusiasmam com coisas boas, coisas da nossa gente, da nossa cultura. � necess�rio criar pontes entre o dinheiro e a reponsabilidade social, entre o material e o imaterial, entre a cultura e a vida.

Para mais informa��es, entre no site: www.cidade.usp.br